Em busca de um lar: 30 milhões de animais estão abandonados no Brasil

8/22/2020

 Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 10 milhões são gatos e os outros 20 milhões são cachorros.

International Society for Animal Rights
Foto: ISAR

Milhões de animais perambulam pelas ruas do Brasil. Expostos a chuvas, maus-tratos, fome e sede, esses bichinhos vivem nessas condições a espera de uma boa ação humana que os tire dessas situações perigosas. Às vezes, com sorte, alguns animais são resgatados e têm um destino melhor.

Esse é o caso do gatinho Celso Garcia, de 5 anos e 7 meses de idade que foi encontrado na Av. Celso Garcia. O animal tinha sido atropelado, havia batido a cabeça, tinha um olho machucado e estava magro. Tinha paralisia e estava muito debilitado, até que a Catland, uma ONG de gatos localizada na zona sul de São Paulo, foi acionada para resgatar o gato.

Gatinho Celso Garcia - Foto: Amanda Fernandes

‘’Ele estava agonizando na sarjeta quando o resgatamos. Estava todo quebrado, não conseguia nem coordenar a cabeça. Achávamos que ele não iria sobreviver’’, contou a presidente da ONG, Perla Poltronieri

Hoje, Celso é um animal saudável, e faz parte dos 300 gatinhos que esperam por uma adoção responsável na Catland, ONG fundada em 2012, que abriga 150 gatos em sua sede e outros 150 em lares temporários.

NÚMERO DE ANIMAIS EM ONGs 
Segundo levantamento do Instituto Pet Brasil, o país conta com 370 ONGs e grupos de proteção animal. Do total, 169 delas se localizam na região sudeste, onde abrigam 78 mil animais, sendo 96% Cachorros e os outros 4% gatos. 

No Brasil, mais de 170 mil animais estão sob cuidado de ONGs e grupos de proteção animal.

Foto: Gatinhos na sala de estar da ONG Catland

Na Catland, cerca de 50 gatinhos são doados por mês. Por ano, uma média de 5% são devolvidos. ‘’Quando voltam, a gente fica se perguntando onde nós erramos, se falhamos em alguma coisa’’, conta a voluntária Anne Yuri Watanabe, aposentada de 58 anos.

OS ABANDONADOS
O abandono de animais é uma forma de maus-tratos. O crime está reconhecido, no Brasil, no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (9.605/98). O abandonador está sujeito a uma pena de prisão de 3 meses a 1 ano, além de multa. Porém, muitas vezes a lei não vale de nada e muitos casos passam impunes. 

Existem no Brasil, em média, 52 milhões de cães e 22 milhões de gatos de estimação, segundo uma pesquisa realizada pelo IBGE. Ao longo do ano, muitos são abandonados, principalmente no período das férias de verão.

Segundo um estudo realizado pela Fundação Affinity, na Espanha, os principais motivos de abandono de cachorros e gatos foram: ninhadas inesperadas (14%), mudança de casa (13,7%), fatores econômicos (13,2%), perda de interesse pelo animal (11,2%) e comportamento problemático do animal de estimação (11%).

Entre os cães abandonados, 56,2% eram machos e 43,8% fêmeas; Já os gatos, 50,8% eram machos e 49,2% fêmeas; Em média, 58,0% dos cães eram adultos; a maioria dos cães (81,6%) e dos gatos (89,1%) era SRD (Sem raça definida); 43,6% dos cães abandonados eram de médio porte; 29,3% de grande porte e 27,1% de pequeno porte; Sobre o estado de saúde, 66,5% dos cães estavam saudáveis; 20,4% tinham alguma enfermidade e 13,1% tinham algum ferimento; Já no caso dos gatos, 59,7% tinham boa saúde; 25,3% estavam doentes e 15,0% mostravam ferimentos por maus-tratos.

‘’Em primeiro lugar é a educação, porque o que fazemos já é uma correção, a castração, a doação de animais já é um corretivo, porém não o mais indicado. A melhor forma seria a educação do povo, desde criança, lá na escola de base serem instruídas sobre o manejo, a castração e a posse responsável’’, Perla Poltronieri em resposta sobre como poderíamos mudar a questão do abandono de animais no Brasil.

O RESGATE
Miguel e Hopper são dois gatinhos de 8 meses de idade que seriam abandonados. Os donos iam se mudar, e caso não conseguissem um lar a tempo para os animais, iriam coloca-los na rua. Felizmente, os dois foram resgatados pela Catland. O pedido de resgate veio por e-mail, onde um print de uma postagem em um grupo do Facebook contava sobre a situação dos dois felinos.  

Miguel e Hopper na área de quarentena

Esse é um dos inúmeros casos de resgate que a ONG recebe diariamente. Em média, são 100 chamados de resgate por dia, porém a Catland atende apenas os mais urgentes, já que a capacidade máxima deles é de 300 animais. Os casos que não são resgatados pela ONG, como cães e outros gatos, são publicados em uma outra pagina da organização, a chamada ‘’Catland Divulga’’.

‘’Nós resgatamos muito mais do que doamos’’, conta Perla. 

Mais um caso, recente, é o da gatinha Eta, que foi resgatada em 22 de agosto pela ONG. A gata estava sendo comida viva, com bicheira e larvas pousando. Assim que a felina chegou na clínica da Catland, foi cuidada, e agora estável, está em fase de recuperação para poder ser castrada e se juntar aos outros gatos que estão na casa, prontos para adoção.

A presidente conta que a maior despesa da ONG é com o custo de veterinário, e que desde que a ONG foi aberta, nunca ‘fecharam no azul’. 

De acordo com um levantamento feito pela VEJA SÃO PAULO, em 10 das principais instituições atuantes na causa de resgate de animais, pelo menos 500 pets são resgatados das ruas por mês, uma média de dezesseis por dia, ou cerca de 6 000 por ano.

Gato descansando tranquilamente na Catland

A Catland já atendeu mais de 6.300 gatos em situação de abandono

CASTRAR PARA SALVAR 
A prática de castrar cães e gatos é fundamental para o bem-estar e saúde deles. A castração é a única maneira ética e eficaz de controle de animais abandonados, pois evita uma gravidez indesejada, prevenindo que outros animais nasçam e sejam abandonados. Além disso, castrar é prevenir diversas doenças em cães e gatos. Os gatos de rua são potenciais transmissores de doenças e zoonoses como: Toxoplasmose (doença infecciosa não contagiosa, que pode ser adquirida por humanos por via oral), FIV, Raiva e FeLV. 

Gato em uma das janelas da ONG que é toda telada para evitar fuga de qualquer gatinho.

Um casal de gatos e sua ninhada, podem dar origem a mais de 420 mil filhotes em 7 anos

Para ONGs de animais, como a Catland, a castração é um dos primeiros passos após a recuperação dos animais que são resgatados. O processo é caro para ONG, pois a cirurgia requer uso de anestésicos e material cirúrgico, acompanhamento pós-operatório, medicação anti-inflamatória, antibióticos e a mão de obra do veterinário. 

‘’Temos convênio com uma veterinária, os gatos são levados na clínica dela, onde são anestesiados e operados. Para eles a veterinária faz preço popular’’, comenta o veterinário da Catland, Gabriel Bento Ferreira.

Em média, a Catland castra cerca de 15 a 20 gatos por semana. Isso preconiza, além da superpopulação e doenças, os tumores. Nas fêmeas previne o câncer de mama e nos machos o de próstata. A castração também contribui para acalmar o comportamento dos animais. 

''As pessoas não têm a cultura da castração. Castrar é fundamental, é a única solução efetiva pra o controle populacional de animais de rua'', comentou Perla em entrevista para Tv Assembleia SP. 

Na castração dos machos, são retirados ambos os testículos. Já na castração das fêmeas, às vezes chamada de esterilização, são retirados os ovários e, às vezes, também o útero. Recomenda-se que a castração tanto em fêmeas como em machos seja feita a partir dos 4 ou 5 meses de vida. 

O preço para castração pode variar muito, dependendo da região e qualidade do serviço, além da idade do animal. Mas para pessoas que não têm condições financeiras de castrar seu animal, a Prefeitura de São Paulo tem um serviço gratuito e exclusivo para a castração de animais, desde 2001, que é o PPCRG (Programa Permanente de Controle Reprodutivo de Cães e Gatos). Esse programa oferece o procedimento para todo o município, por meio de atendimento em clínicas contratadas, ou ainda, por mutirões realizados em regiões de maior exclusão social.

OS ACUMULADORES 
Atualmente é visto como um transtorno o hábito de acumular, seja objetos ou animais. Este estudo começou a ser feito recentemente e por isso ainda não existem estatísticas quanto a esta incidência. Por enquanto, a estimativa de lares em estado de acumulação é de 3% a 5% a nível mundial, segundo estudos científicos. 

Acumuladores de animais chegam a ter mais de 100 bichos em casa, dizem estudos

Acumulação de gatos. Foto: lockerdome.com

Devido a uma possível convivência homem-animal inadequada, para evitar que os animais sejam submetidos a abusos ou maus tratos, como por exemplo: criação de número excessivo de cães ou gatos, a Zoossanitária decretou que por lei é permitido apenas 10 animais por domicílio. Não se trata exatamente da quantidade de animais, mas sim das condições em que vivem sem o mínimo de higiene e saneamento. É neste momento que as denúncias são feitas e a polícia direciona os animais para ONGs. 

''Em São Paulo, são mais de 100 mil casas classificadas como acumuladores'', conta Perla Poltroniere.

Perla cita um caso na zona sul de São Paulo, de uma senhora que acumulava cerca de 360 gatos em uma residência. Em uma força tarefa feita pela ONG, foram resgatados dessa casa cerca de 110 felinos. Porém, logo a acumuladora ‘pegou’ mais 150 novos gatos para acumular em sua casa.

Em outro caso, a presidente da ONG cita sobre uma acumuladora, que por questões religiosas, guardava em vários freezers os corpos dos gatos que morriam. Isso acabou tornando nítida sua má condição psicológica e o estado crítico onde os animais viviam, condição essa que preocupa ativistas como Perla, que pede mais atenção a casos assim.

‘’A CCZ só tem três equipes para atuar nesses problemas, é ineficiente. Uma pessoa que acumula alguma coisa precisa de assistência. Falta trabalho psicológico’’, diz a empresária Perla. 

O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO
Na Catland, os animais resgatados passam por uma espécie de quarentena, isto é, eles precisam ser mantidos isolados dos demais felinos para serem observados e tratados, já que a grande maioria chega ferida, doente ou até mesmo com transtornos mentais. Depois, são colocados numa área de contenção para se adaptarem aos poucos com o ambiente da ONG. Este é o caso do Venom, um gatinho de 2 anos que é mantido isolado dos demais devido a seu comportamento agressivo e temperamental. 

Venom - Foto: Divulgação Catland

Abandonado ainda muito jovem, esse gatinho vivia perambulando pelas ruas de São Paulo até se esconder em um posto de gasolina, e então ser resgatado pela ONG. Atualmente Venom se encontra em tratamento para se curar de uma doença pulmonar e ganhar peso.

''Eles chegam assustados e desconfiados, com o psicológico muito abalado'', comenta a presidente da ONG.

O PRECONCEITO 
Muito dos gatos que são resgatados pela ONG são gatos pretos. Vítimas de preconceito por conta da crença popular de serem associados ao azar (um clichê iniciado na era medieval), em épocas festivas, como o Halloween, acabam sendo alvos de perseguições religiosas que resultam na violência e morte dos gatinhos. 

Segundo uma pesquisa feita pela ONG Cats Protection, os gatos pretos demoram 13% mais tempo para serem adotados do que os felinos de outras colorações. 

Gatinho Black - Foto: Catland/Divulgação

Porém, há quem não acredite nessa mentira preconceituosa. É o caso do voluntário, Diego da Silva Lima, de 35 anos, analista de sistemas, que é líder da equipe de limpeza da Catland. Ele é um dos casos que não segue o estereótipo contra os felinos de pelagem escura, mas que tinha preconceito contra Organizações Não Governamentais, ideia que logo foi deixada de lado quando ele conheceu melhor a Catland, em 2014.

“Eu entrei porque eu queria adotar um gato preto, e adotei. Mesmo eu tendo preconceitos com ONG´s, eu comecei a frequentar aqui durante 1 ano, até que vi que era uma organização séria e decidi participar”, diz Diego da Silva Lima.

Perla Poltronieri diz que no decorrer dos anos da organização, já presenciou diversos incidentes contra gatos pretos. Um episódio de resgate que ocorreu na ONG, foi o do gatinho Black, relatada pelo site Pet Love em 2014. O animal marcava presença todos os dias para pedir comida na casa de um senhor, que sentiu falta do gato quando ele não compareceu em sua casa, coincidentemente numa sexta-feira 13. Os dias se passaram e o gato reapareceu, porém, com queimaduras de ácido e muito agressivo. O animal foi resgatado e cuidado pela Catland, e assim que se recuperou, foi adotado. Esse é mais um dos inúmeros casos de maus-tratos de gatos pretos. 

Em entrevista para a revista Galileu, Perla revela que 60% dos felinos da ONG, têm a pelagem escura. 

O AMOR CURA
Em busca de uma experiência profissional ou um objetivo para a vida, muitas pessoas acabam se tornando voluntários da Catland. Com diversas funções para atuação, a ONG conta com mais de 200 voluntários, que ajudam no bem-estar, comunicação, administração, médico-veterinária, marketing, ilustração, design, fotografia, redação, RH, entre outras áreas. 

Estudos revelam que pessoas que praticam o voluntariado são mais realizadas. 

Muitos veem no voluntariado uma maneira de melhorar não só a vida do próximo como a própria. Segundo uma pesquisa realizada com 4.500 pessoas pela ONG norte-americana United Healthcare and Volunteer Match, foi visto que 84% dos voluntários acreditam que o trabalho voluntário promove a saúde física e 95% disseram que ações filantrópicas proporcionam benefícios emocionais.

Voluntários organizando a ONG durante o horário de limpeza

Muitos voluntários da Catland contam que chegaram na ONG para fazer o bem e se sentirem bem. A estudante Iris Vitorino dos Santos, de 25 anos, conta que por ter problemas de depressão, ficou traumatizada após a morte de seu gato, por problemas renais. Por já ter um cão cego, não poderia adotar outro gato. Ela conta que sentiu falta de fazer algo pelos animais e decidiu buscar um trabalho voluntário, e após receber a indicação da Catland por um amigo, foi se candidatar.

‘’Estou aqui pelos gatos. Cheguei aqui para fazer alguma coisa por eles, mas com o tempo eu percebi que eles fazem por nós também. Eles retribuem todo o amor que nós damos para eles, e isso é muito satisfatório’’, diz a estudante Iris.  

Outro caso, é o do veterinário Gabriel Bento Ferreira, de 29 anos, que trabalha na Catland há 3 anos. Ele passava por um momento de crise na saúde mental, além de estar desempregado. Eis que surgiu a ideia de recomeçar a carreira, dessa vez como voluntário. Após a indicação de um conhecido em comum com a fundadora da ONG, ele começou nos trabalhos auxiliando nos programas de castração.

‘’O trabalho da ONG é sério e magnífico, ele transforma vidas, pois vemos o gatinho chegar mal e depois vê-los bem, é maravilhoso, recompensador e eles são eternamente gratos e leais. Quando são adotados, ver eles em uma casinha sendo amados e cuidados não tem preço’’, diz o veterinário Bento Ferreira. 

A ONG sempre está à procura de voluntários, então caso alguém queira fazer parte desse trabalho, ou adotar um gatinho, é só entrar em contato via e-mail: contato@catland.org.br.


Reportagem escrita em setembro de 2019 pelos alunos de 2º semestre de jornalismo (manhã) da UNIP Tatuapé: Amanda Fernandes, Ana Caroline Abreu, Enzo Ferreira, Victor Henrique Alves e Vinícius Durand. 

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